quinta-feira, 16 de setembro de 2010

TRÊS AIDS


Não. O pior da prisão não é o cheiro de merda que sai do boi, nem o aperto, nem chulé de vagabundo, nem o calor do caralho, nem os piolhos, nem ter que comer comida estragada ou ter que lutar pra salvar a própria pele ou embolar na porrada pra não ser enrabado por um crioulão. O pior da prisão são as piadinhas. É você ter que ficar ouvindo as mesmas piadinhas dos mesmos caras que, além de achar que são engraçadas pra caralho, não se dão conta que já contaram a porra da piada mais de cinqüenta, cem vezes. Enquanto não nos conhecemos, é tudo novidade. A primeira pergunta é sempre sobre o artigo que o cara leva nas costas. Depois fala-se sobre a família, mulher, drogas, vida, futebol, porradas, programas de televisão, livros poucos falam, filmes...A última vez que rolou um assunto interessante aqui na cela já tem mais de seis meses. Foi quando o Davi contou da vez que tava fudendo com uma cinquentona e baixou uma pomba-gira na coroa no meio da foda. Ele lá, mandando ver na mulher de frango-assado e de repente ela olha pra cara dele com o cabelo todo jogado na frente do rosto, gargalhando. Aquela gargalhada sinistra de pomba-gira. O maluco do Davi nem aí, mandando ver na xereca da pomba-gira. Cara muito doido. Foi uma polêmica bizarra pra caralho na cela. Uns ficaram curiosos perguntando se a pomba-gira fodia bem, outros, os mais cagões, ficaram boladões dizendo que o cara tava amaldiçoado e teve até gente que disse que se a mulher engravidasse ia nascer um monte de capetinha. Foi uma discussão maneira. O Geladeira contou que até bateu punheta imaginando essa história. Neguinho caiu na gargalhada quando ele contou isso. Tem também o Zé Pedro, um baiano que é eunuco porque teve câncer no pau, uma coisa assim, e teve que amputar. Ele dizia que tinha contraído um tal de HPV num puteiro lá na Bahia. Contava maior vantagem que era comedor, que já tinha comido mais de duzentas mulheres. Ficava contando detalhes das fodas dele. Até que pegou a tal doença sinistra. Papilomavírus humano era o nome da doença, isso mesmo! Papilomavírus humano! A rapaziada da cela ficava doida, todo mundo decorou o nome da doença. Medo do caralho de pegar essa porra. E ficavam pedindo pro Zé Pedro mostrar o pau amputado e ele mostrava. Um troço que nem um umbigo, daqueles mal cicatrizados, um toco de dedo pra fora. Estranho pra caralho! Os caras ficavam zoando quando o Zé ia mijar sentado. Eu ficava com uma pena do caralho, não zoava não. Na verdade, se eu fosse ele eu me matava. Porra! Viver sem pau pra quê ? Prefiro morrer, porra!
E as histórias na cela iam se esgotando. Tem uns caras aqui que eu já tô há uns quatro anos olhando pra cara deles. Todo dia. O mesmo fucinho. O mesmo mau hálito. O mesmo cheiro de bunda mal lavada. De suor azedo. Neguinho reclama de casamento, que casamento é rotina e tal, a mesma mulher, mas vem pra uma porra de uma vida de merda dessa ficar olhando pra cara de uma porrada de macho todo dia. Casamento é paraíso. E o que irrita mais aqui, eu já falei, são as piadinhas. Não demora muito para os assuntos se esgotem. As histórias acabarem. A gente fica rapidinho de saco cheio um da cara do outro. Aí começam as merdas das piadas. Umas porras de umas piadas decoradas que os filhosdaputa sempre acham que estão improvisando. É foda! Porra, o Nicão é um que enche o saco. Se alguém que tá lá no boi mijando, e solta a clássica “ Mijar é bom pra caralho!” ou “ Putaquepariu, mijar quando a gente tá apertado é a melhor coisa do mundo” ou coisa parecida, o Nicão, ao ouvir a porra da frase, já solta a merda da piada que cisma que tá improvisando: “Porra, cê disse que mijar é a melhor coisa do mundo. Das duas uma: ou eu que não sei mijar ou você que não sabe fuder”. E cai na gargalhada sozinho, se achando o cara mais engraçado do mundo. O Nicão já mandou essa no mínimo umas cem vezes. Acho que a galera fala de propósito só pra ele mandar a piada e se sentir bem. Eu fico puto com essa porra! Puto mesmo! Tem o Toinho, um nordestino que tá de 157, sacana pra caralho, que vive mandando aquelas porras daquelas frases-feitas que todo mundo ouviu uma porrada de vezes, mas ficam rindo pra agradar o cara. As que o Toinho mais repete são: “Soube que você cria largato. Seu largato mama?”, ou “ Felicidade minha é espetáculo seu...”, ou “ Em caminho de paca tatu caminha dentro ?”, ou “Engordei. Agora estou com mais barriga e com menas bunda.”, ou “Vocês gostam de comer doce-cuzcuz? Se vocês gostam de comer carré, eu prefiro comer nabo-seco e quiabo-cru.”, ou “Setembro chove?”, ou “ Acho que vai chover, veja se está passando um baita nuvão preto, aí.”, ou “ Soube que eu estive muito doente ultimamente? Titrepossemia , “pus no cu”. Peguei da merda do gato. Tômió.”, ou “Que calor , einh?!? Um calor desses se sente em qualquer lugar, até cavalo na bunda sua !”, ou “Aquele quintal que você não usa nos fundos da sua casa, você não me emprestaria? Estou vendendo ralos e preciso de um local para exposição. Eu poderia expor ralo aí atrás?”.
Já até decorei essa merdaiada toda. E passa dia, passa dia e tem que ficar escutando a mesma coisa. E o pior é que dependendo do cara a gente não sabe se tá falando sério ou se tá de sacanagem. Igual ao Zé Vareta, um coroa ex-bicha, macumbeiro dos brabo, esquisitaço, magrelo, cheio de mancha no corpo, quietão, que a rapaziada diz que tá até aidético. Esse Zé Vareta é sinistro pra caralho. Acho que matou e esquartejou um garoto de treze anos. Um tal de Daniel, o moleque. Dizem que o Zé-Vareta matou o moleque ruma oferenda de magia-negra no cemitério. Sinistro. Saiu em tudo quanto é jornal, televisão. O Zé Vareta, como eu tava dizendo, é malucaço. Fica falando sozinho nos cantos. Às vezes dana a conversar com a gente, não fala coisa com coisa. Dia desses ele entrou numa piração e começou a gritar que a indústria farmacêutica que fabrica o azt, aquele remédio que segura a onda da aids, tava perseguido ele porque ele tinha uma receita caseira da cura da doença, e como eles descobriram que ele tinha a fórmula, mandaram uns espiões atrás dele. E um outro moleque que ele matou antes do Daniel era um informante dessa indústria que se disfarçou de namorado dele para obter as informações. Porra, maluquice do caralho. Maior psicopata o cara. Quinta passada chamou a rapaziada da cela num canto e contou pra gente a tal receita. Dizia: “ É moleza! É moleza! Ninguém sabe mas eu sei a receita da cura da aids. É moleza de fazer! Vô contar procês mas boca pequena einh? (...) É só misturar três comprimidos de aspirina com limão em um copo e socar e beber depois de trepar com alguém que tenha a maldita”. “Corta o efeito da aids na hora”. “Corta o efeito da aids na hora”. Ficava dizendo. “ Eu já tive aids três vezes! Eu juro por Deus! Sério mesmo, eu já tive aids três vezes!”.
Essa, sinceramente, eu fiquei sem saber se era pra rir ou não.

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