quinta-feira, 16 de setembro de 2010

CHAPA-QUENTE


Oito anos, três meses, sete dias, três horas, vinte e sete segundos. X-tudo: vagabundas, escarro, porradaria de travestis , pão bolorento, boquete da vagabunda bêbada pra pagar o x-egg, band-aid usado, carne de hambúrguer estragada batizada com salitre pra tirar o gosto podre, cheiro de mijo, fanta light, pedófilo asqueroso pagando hambúrguer pra menininha mendiga esfomeada, Haldol que a porra do psiquiatra me passa pra me acalmar, ratazanas comendo restos que caem no chão, freguês cara-de-pau que come e sai de fininho pra não pagar, fulaninha fazendo fofoca sobre o corno do vizinho,marola de maconha, teia de aranha, cheiro de merda saíndo do banheiro. Tô de saco cheio. Punheta no vidro de mostarda pros filhos-da-puta dos operários da CSN comerem e lamberem os beiços.Trabalhei só três meses na Companhia Siderúrgica Nacional. Foi antes de ficar internado aquela época no hospício. Faz mais de nove anos. Empreiteira bacana da CSN. Trampo tranqüilo. Me mandaram embora só porque me pegaram comendo o cu do encarregado no banheiro do Lingotamento Contínuo. Eu precisava da promoção e acabei ganhando a demissão. A bicha do encarregado ficou lá, tinha boas influências, chupava o pau do Gerente de Qualidade. Oito anos, três meses, sete dias, três horas, vinte e nove minutos e quarenta e seis segundos trabalhando nessa merda de trailler. Só trabalho na madrugada. Nem meu essa merda de trailler enferrujado é. Trabalho pra pagar o aluguel da quitinete que moro que é também do Gordo. Gordo é o nome do desgraçado que me explora esse tempo todo. Trabalho fudido. De meia noite às 5 da manhã. Já vi de tudo nessa bosta de emprego. O nome do trailler é X-Tudo.Escarro no queijo antes de botar ele pra derreter encima do ovo. Ninguém percebe.X-Tudo: dois pães, uma carne, queijo, bacon, ovo, batata palha, presunto, alface. Faço quatro desses em menos de três minutos. Prática. Uma porra de um serviço enfadonho, sem futuro nenhum. Meu futuro é engolir mais fumaça de chapa, fumaça saída de óleo reaproveitado. X-Tudo: bacon cru, camisinha usada, chiclete mastigado, vômito seco, estátua do Seu Zé Pelintra embaixo da caixa registradora, coca zero, viado velho tomando conhaque, cerveja itaipava com lacre, x-egg-salada, mão suja de dinheiro no pão, boné surrado escrito Albano Reis para deputado, mulé do freguês - corno e distraído – comendo x-egg salada abrindo as pernas pra me mostrar a calcinha , Nike novinho manchado de gordura sebenta, cd do Agnaldo Rayol rolando baixinho enquanto trabalho, hall’s preto pra tirar o bafo de birita, carta da ingrata da Sandra Carla, x-egg-salada-bacon, cheiro azedo de sovaco mal-lavado, patricinha debilóide pedindo “x-burguer sem queijo”, maionese com salmonela, puta maltrapilha com bafo de porra, sujeira embaixo da unha, caneta bic falhando, sanduíche natural, porrete de pinho sujo de sangue velho usado para esculachar bêbado caloteiro, garotão playboy dando cavalinho de pau no Audi A3 do pai. Não agüento mais essa vida sebenta, gordurenta. Vida de merda. Cheiro de bacon agarrado permanentemente no cabelo. Sem futuro, sem destino. O destino está nas mãos de Deus. Um Deus que, com certeza, nunca esteve às quatro horas da madruga, nesse frio do cacete, aturando toda essa corja nojenta comedora de lixo na chapa. Se eu não tivesse tido que parar de estudar pra trabalhar e ter que alimentar um filho que nem sabia se era meu, com a Sandra Carla, que na época me ameaçava tacar na cadeia por causa da merda da pensão, eu ia ser escritor, do tipo roteirista de cinema em vez de trabalhar nessa merda de trailler. Com o moleque morrendo atropelado, esmagado, há um ano atrás, eu não corro o risco de ir pra cadeia por pensão não. E o Carlinho nem ia com a minha cara mesmo, me odiava, odiava quando tinha que ficar o final de semana comigo. Morreu o peste. Nem meu filho era. Era preto e eu sou branco, porra! Não era meu filho não, eu tenho certeza! Eu é que sou meu próprio filho. Tenho que investir no meu futuro. Vou ser é roteirista de cinema. Parei na sétima série. Era bom de Português. Por isso que eu acho que eu vou ser um roteirista de cinema. Guardo na cabeça até o roteiro de um filme ducacete que eu criei esses dias. Tipo serial killer, psicopata. Já tenho o nome do filme: Brincando com o Destino. Nome maneiro pra filme de psicopata, né? O nome do assassino em série eu dei de Mike Spleen. Psicopata norte-americano, é lógico! Cara sinistro, cheio de tatuagens com referências ao destino, um monte de símbolos diversos – aí eu tenho que pesquisar pra saber que desenhos ele teria espalhado pelo corpo. Um cara alto, branco, cabeça raspada, magro. Magro pra caralho por causa de uma doença terminal que ele tem. Sem parentes nem amigos. A primeira cena do filme mostra o Mike num quarto escuro, centenas de livros, ele é um intelectual. Com um revólver apontado pra própria cabeça brincado de roleta russa começa: Tlec! Tlec! Tlec! Ele para e desiste de ir até o fim. Não pode morrer agora. Tem uma missão. Tem várias missões. Cenas mostram ele entrando em sites sobre suicídios, assassinos de escolas, serial killers. Mike, como se pode perceber, tem obsessão pelo tema destino e, consequentemente, pela morte. Ele acaba descobrindo uma sala de bate-papo que reúne adeptos de uma perversão chamada bareback. Descobre que bareback é uma festa onde gays não portadores da aids marcam um encontro, chamam um outro gay que tenha aids e ao final de uma orgia sem camisinha, ficam sob a tensão de terem ou não contraído a doença, isso é o que dá tesão neles. Mike consegue um encontro bareback e vai. Mike tinha uma doença terminal, e o fato de ter ou não contraído aids na tal festa não fez diferença pra ele. Ele queria mais emoção. Ele então tem uma idéia perfeita: Vai , ele mesmo, decidir o destino dos outros. Mike grita eufórico “Eu sou a roleta – o dado – a carta – Eu sou o destino”. Mike vai pra Las Vegas e , vendendo o carro, começa a jogar. Perde. Ganha. Começa a matar viados ricaços que se interessam por ele e reúne uma boa grana. Uns dois milhões de dólares. Vai pra Nova York e começa sua sinistra missão: decidir o destino dos outros. Compra um carro, compra um rifle calibre 12, pega o resto das fortunas roubadas e troca tudo em maços de dinheiro de dez mil dólares. Sai de carro de madrugada e dá início ao seu propósito. Conforme Mike vai passando pela rua e vê os pedestres ele decide, sem dados nem cartas nem nada: “ Esse é azarado” e da fresta do vidro do carro em movimento dá um tirambaço na cabeça do sujeito. “Esse é sortudo” e joga na frente de outro sujeito, duas quadras depois de ter matado o primeiro, um dos maços de dez mil dólares. E assim Mike vai , noite após noite, decidindo o destino dos outros. Velhos, putas, bichas, crianças, mulheres. Uns ricos, outros com a massa encefálica espalhada pelo chão. Outros que ele determina meio sortudos meio azarados ela dá um tiro na perna ou na coluna e joga o maço de dinheiro logo depois. O mais legal desse filme é que perto do final a gente descobre o porquê desse comportamento dele : a tal doença terminal... “UM X-EGG-SALADA COM BASTANTE MAIONESE !” Caralho! Com essa porra desse movimento aqui no trailler, nunca vou conseguir terminar a porra do roteiro. Ainda não passei pro papel mas tá tudinho aqui na minha cachola. Tenho que registrar antes que alguém roube a idéia. Vai que eu distraio e acabo contado pra alguém? Tá doido? Só falta eu ter uma idéia maneira pro final. Tô quase lá. “AÊ RUAN, FAZ UM X-TUDÃO NO CARPRICHO, AQUELE QUE SÓ VOCÊ SABE FAZER!” Oito anos, três meses, sete dias, três horas, trinta e dois minutos e dois segundos. Só agüentei esse tempo todo sem pirar porque dou um jeito de me distrair. Inventei uma brincadeira maneira, piada interna, só eu sei da sacanagem e rio pra caralho por dentro. Sem o cliente perceber. A brincadeira é ducaralho. Sou tipo o Mike, só que brasileiro. Brasileiro né, do interior do Estado do Rio, é sempre mais chinfrim, e dar tiro de escopeta na cabeça dos outros não é comigo não, ainda que alguns filhos-da-puta mereçam. Na tal brincadeira, que eu chamei de chapa-quente, eu faço o seguinte: todo dia treze, meu número da sorte, eu pego um dado, guardo debaixo do balcão de pedidos e, conforme os pedidos começam a ser feitos, eu vou jogando o dado. Não sou o Mike, não tenho a moral de decidir o destino dos outros sozinho. Quem decide aqui é o dado. E quando é feito o pedido eu jogo o dado por baixo da bancada, disfarçadamente, sem que o cliente perceba, e a sorte ou o azar é lançado. Se cai o número seis, a pessoa tem sorte pra caralho e eu, de propósito, dou o troco errado, a mais, se ela volta pra devolver, azar o dela, pra mim tanto faz, já tenho uma caixinha com grana reservada pra isso. Se cai o número cinco ela ainda tá na boa com a sorte, e eu capricho no bacon, todo mundo gosta de muito bacon. Se cai o quatro, significa que é neutro, entrego o pedido na moral, do jeito que o cliente quer, elas por elas. Se cai o três aí é que a brincadeira começa a ficar maneira: ou eu escarro dentro do hambúrguer, ou esfrego o pão na cabeça do meu pau que tá sempre ensebado , ou alguma doideira dessas qualquer. Muito maneiro ver neguinho mordendo meu pau por tabela, tenho que me segurar pra não cair na gargalhada. Já, se cair o dois, é a maior piração, eu pego umas carnes de hambúrguer que eu já preparo de antemão onde eu misturo viagra moído e purgante, isso mesmo!, viagra moído e purgante na carne crua antes de ir pra chapa, frito, coloco no pão e fico imaginando o camarada, depois, sem entender nada, a noite inteira cagando de pau duro. Vida loca. Se cai o um, o mais azarado de todos, e o que eu mais torço pra cair, eu boto veneno de rato, daqueles chumbinho dentro da carne, pá – pum!, se a pessoa conseguir , depois que começar a passar mal, ir a um hospital fazer uma lavagem estomacal a tempo, sobrevive. Aí é uma questão de sorte. Ou azar. Sei lá.

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